O Autor contextualiza o discurso dos intelectuais do ICC – Instituto Cultural do Cariri a partir da década de 50, descortinando o discurso simbólico da produção historiográfica encetada por seus próceres: J. de Figueiredo Filho, José Newton Alves de Souza, Joaryvar Macedo, F. S. Nascimento, citando ainda Irineu Pinheiro, Padre Antonio Gomes de Araújo, Martins Filho, Napoleão Tavares.
Com referencial teórico em Durkheim e Habwachs, Hobsbawn e Albuquerque Jr., procura descortinar a construção teórica que levaram a cabo no ICC: “vestindo-se com a armadura de uma coragem invulgar, [adentrarão] em velhos arquivos empoeirados [...] [a revelar] as verdadeiras origens do Cariri, seu descobrimento, conquista e povoamento” (MACEDO, 1985:60)”.
Além de aqueles intelectuais trabalharem com levantamentos biográficos, inventários, dados cartorários e arquivos da Igreja Católica é enfático em enumerar o trabalho de MACEDO (1985): “Dentre os 364 portugueses, 231 norte-grandenses, 456 paraibanos, 816 pernambucanos, 171 alagoanos e 48 maranhenses, apenas um ou outro tem seus herdeiros nomeados ou suas mais prestimosas obras descritas, ao contrário das sintéticas informações de nome completo e lugarejos descritos em geral no longo catálogo”. “Torna-se claro, pois, que não são brumas do passado que se tenta aqui dissipar, mas busca-se a nobreza da ascendência”.
Através de uma produção com viés “telúrico” e “nativista”, na “estirpe” e “nobreza ascendente” dos primeiros povoadores buscam “as autenticas raízes sociais da civilização no Cariri cearense e fundadores de sua aristocracia rural (MACEDO, 1985:54)”.
A tese geral é da reconstrução e construção de uma identidade regional a partir de um núcleo intelectual da elite cratense disseminada para restabelecer uma hegemonia política, cultural e intelectual com base no Crato, diferenciada do Ceará e do Nordeste e com ênfase original, tencionando as disputas históricas ocorridas entre Crato e a emancipação política de Juazeiro do Norte desde 1911, com a crescente mudança geopolítica e econômica de influência no Cariri.
O Cariri passa então a ser cultuado como objeto do desenvolvimento nacional a partir de uma tradição cratense de inserção em suas lutas políticas históricas de suposto protagonismo na unidade do Brasil como em 1817 e 1824. Assim, Roberto Marques citando Neves (1994) realça “utiliza a idéia de memória regional hegemônica a fim de reforçar a idéia da memória coletiva como objeto de constantes disputas”.
Ou como em J. de Figueiredo Filho (Tradicional e Progressista cidade do Crato, 1962), que enfatiza o Folclore, levantando as contradições com a “Cidade da Cultura” e a discriminação que sofreu historicamente no Crato de antão as bandas cabaçais, tidas como arcaicas, o maneiro-pau, luta de cabras e cangaceiros, a lapinha como relativização serena com o samba do terreiro “com suas brigas, namoros acochados e a cachaça a correr pelas goelas de cabras arruaceiros (1962:41-2)”.
“Meu pai, José Alves de Figueiredo Filho, prefeito naquela época, foi dos que, mais denodadamente, travaram luta contra o conjunto musical, tido como arcaico. Combatia-o em nome das coisas novas. Proibiu a exibição das cabaçais em dias comuns, e até nas feiras, a desfilarem pelas ruas (1962:12-3)”.
Ao mesmo tempo em que aqueles intelectuais faziam uma releitura social justificada, procuravam reinserir na memória cratense os signos da tradição regional para o contexto progressista unilateral e hegemônico, afastando o predomínio de Juazeiro do Norte no contexto, unindo tradição e religião.
“O Cariri é um pródigo exemplo para se refletir sobre a tradição como idéia fundante dos recortes espaciais na Região Nordeste”.
Os recortes no contexto da produção do Instituto Cultural do Cariri – ICC, na década de 50, segundo o autor avançam além de uma reinvenção da tradição, do folclore e buscam então uma delimitação geográfica com base na característica abundante de recursos naturais em torno da Chapada do Araripe e na Região do Cariri para recolocar a cidade de Crato novamente no centro do desenvolvimento, “apresentando o Crato como berço das famílias tradicionais da região, diante das hordas de romeiros da “Meca do Fanatismo”.
Por fim, o autor exemplifica citando Irineu Pinheiro (1953), que rememora a representação da Câmara de Vereadores do Crato em 10 de Julho de 1928, advogando a criação da província do Cariri Novo, cuja capital seria no Crato: “... aos poucos o ICC via forjando à sua imagem o que pretende ser a identidade caririense. Distinguindo-se da “Meca do Fanatismo” e constituindo a memória hegemônica sobre a região”.
E arremata: “Depois de instituído esse projeto, que sobrevive parcamente ainda hoje, depois de inventada a “Cidade da Cultura”, jamais deixará de haver novos artistas e intelectuais a inventar o Cariri. A geração de 70 será, portanto, herdeira, por vezes literalmente, e prisioneira desse projeto”.
Importante a leitura e releitura do texto para todos os intelectuais e estudiosos sobre nossas referências e diferenças, encontros e desencontros com a História do Brasil, ainda mais nesse momento em que Juazeiro do Norte está às vésperas do centenário e quando fora criada a Região Metropolitana do Cariri.
• MARQUES, ROBERTO
Contracultura, tradição e oralidade: (re) inventando o sertão nordestino na década de 70/Roberto Marques – São Paulo. Ed. Annablume, 2004. 168p.; 11,5 x 20 cm; ISBN: 85-7419-424-7.