sexta-feira, 16 de março de 2012

LEI DA ANISTIA – Entenda porque o judiciário não quer mexer com a poeira que paira sob a verdade.


Informação e contra informação sobre a verdade de 1961 a 1979 nos bastidores da política, da guerra e da guerrilha no Brasil vieram à tona com as águas de Março de 2012.

Em 18 de Novembro de 2011 foi criada pela Presidência da República a chamada “COMISSÃO DA VERDADE” com a finalidade de tomar depoimentos e tornar públicos documentos que estavam sob sigilo eterno, estabelecendo prazo máximo de 50 (cinquenta) anos para a guarda confidencial de documentos públicos a partir de então.

Em foco um “MANIFESTO INTERCLUBES MILITARES” publicado em 16 de Fevereiro de 2012 no portal dos Clubes Militares da Marinha, Exército e Aeronáutica assinado por militares da reserva e outros criticando a Presidente Dilma Rousseff por omissão no trato com seus Ministros de Estado que abertamente pregam, segundo eles, a abertura de processos e o processamento dos autores de crimes durante os Governos Militares em detrimento da lei e do juramento de posse da presidente de tratamento igual e respeito mútuo.

Em outro movimento que gerou um evento de mídia (http://s.conjur.com.br/dl/denuncia-ministerio-publico-federal.pdf) o MPF no Pará denunciou o coronel da reserva Sebastião Curió por crimes cometidos na região do Araguaia contra militantes do Partido Comunista confinados e organizados para promover um levante contra o regime ditatorial.

LEI DA ANISTIA

A lei N°. 6383 de 1979 foi promulgada pelo Presidente JOÃO FIGUEIREDO e assinada por todos os membros do seu governo Petrônio Portella, Maximiano Fonseca, Walter Pires, R. S. Guerreiro, Karlos Rischbieter, Eliseu Resende, Ângelo Amaury Stabile, E. Portella, Murillo Macêdo, Délio Jardim de Mattos, Mário Augusto de Castro Lima, João Camilo Penna, Cesar Cals Filho, Mário David Andreazza, H. C. Mattos, Jair Soares, Danilo Venturini, Golbery do Couto e Silva, Octávio Aguiar de Medeiros, Samuel Augusto Alves Corrêa, Delfim Netto, Said Farhat, Hélio Beltrão.

A lei concedeu o perdão a uns e a outros de 02 de Setembro de 1961 a 15 de Agosto de 1979 com relação aos crimes políticos e conexos, aos crimes eleitorais, aos que tiveram os seus direitos políticos suspensos, aos servidores civis e militares de alguma forma prejudicados, o direito a reversão, aos dirigentes e representantes sindicais envolvidos em atos e práticas alcançadas pelos Atos Institucionais e Complementares.

A lei excetuou da anistia os que foram condenados pelos crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal, ao mesmo tempo em que considerou como crimes conexos para os efeitos da anistia, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

A dubiedade inserta no artigo primeiro da lei e seus parágrafos é que criou o imbróglio.

Os terroristas, assaltantes de banco, seqüestradores e que cometeram atentados à dignidade da pessoa humana no exercício do múnus público com motivação política foram ou não foram acobertados?

Diante do sentimento de impunidade, da notoriedade das vítimas, da alternância de poder, foi proposta em Outubro de 2008 pela Ordem dos Advogados do Brasil uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF (Supremo Tribunal Federal), sob a assertiva de que “é irrefutável que não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo”. (fls. 14 da Petição Inicial da OAB: http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=330654&tipo=TP&descricao=ADPF%2F153).

A lei seria inconstitucional frente, por exemplo, à Declaração dos Direitos Humanos, à Convenção Americana dos Direitos Humanos e outros tratados e convenções de que o Brasil já era signatário ao tempo da lei, com ou sem ratificação, porém, não seria inconstitucional frente à CF/88 uma vez que essa Carta Maior do Brasil fora escrita posteriormente e o STF já decidiu que não é possível ação direta de inconstitucionalidade de lei anterior.

Então, ainda mais decisivamente pende uma dúvida no âmbito das cortes internacionais, no direito e na jurisprudência internacional, como a Corte Penal Internacional em Haia, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) de San José da Costa Rica e outros.

Decidiu o Supremo Tribunal Federal pela improcedência da ação movida pela OAB (ADPF/153), especialmente agarrando-se ao tripé jurídico baseado na interpretação com limitação ao poder de legislar ou reescrever a letra da lei, da prescrição e da anterioridade da tipificação penal frente à vinculação do instrumento normativo da imprescritibilidade inserto na Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade de 1968 somente ratificado em 2002 pelo Decreto 4.463/2002.:

“É necessário dizer, por fim, vigorosa e reiteradamente, que a decisão pela improcedência da presente ação não exclui o repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis e militares, policiais ou delinquentes. Há coisas que não podem ser esquecidas. Em um poema, Hombre preso que mira su hijo, Mario Benedetti diz ao filho que “es bueno que conozcas/que tu viejo calló/o puteó como um loco/que es una linda forma de callar”; “y acordarse de vos --- prossegue ---/de tu carita/lo ayudaba a callar/una cosa es morirse de dolor/y otra cosa morirse de vergüenza”. E assim termina este lindo poema, que de quando em quando ressoa em minha memória: “llora nomás botija/son macanas/que los hombres no lloran/aquí lloramos todos/gritamos berreamos moqueamos chillamos maldecimos/porque es mejor llorar que traicionar/porque es mejor llorar que traicionarse/llora/pero no olvides”.
É necessário não esquecermos, para que nunca mais as coisas voltem a ser como foram no passado. Julgo improcedente a ação.”
(http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF153.pdf).

Ocorre, porém, que no ano de 2010, posterior ao julgamento em tela, a Corte Interamericana de Direitos Humanos quando do julgamento do caso GOMES LUND E OUTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL, CONDENOU O BRASIL por CRIME DE LESA-HUMANIDADE:

“Finalmente é prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua obrigação inalienável de punir os crimes de lesa-humanidade, por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade.”
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf)

O Supremo Tribunal Federal se nega rever sua decisão. Inconformadas, as vítimas provocam as instâncias inferiores do judiciário brasileiro e do executivo com a bandeira da verdade e da punição simbólica e legítima dos algozes, vivos ou de sua memória.



A poeira sobe!

CaduAlmeida

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