sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Super-homem!

Assim falava Zaratustra.

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Chegando à cidade mais próxima, enterrada nos bosques, Zaratustra encontrou uma grande multidão na praça pública, porque estava anunciando o espetáculo de um bailarino de corda.

E Zaratustra falou assim ao povo:

_ Eu vos anunciou o Super-homem!
_ O homem é superável. Que fizestes para o superar?

Até agora todos os seres têm apresentado alguma coisa superior a si mesmos; e vós, quereis o refluxo desse grande fluxo, preferis tornar ao animal, em vez de superar o homem?

Que é o macaco para o homem? Uma irrisão ou uma dolorosa vergonha. Pois é o mesmo que deve ser o homem para o Super-homem: uma irrisão ou uma dolorosa vergonha.

Percorrestes o caminho que medeia do verme ao homem, e ainda em vós resta muito do verme. Noutro tempo fostes macaco, e hoje o homem é ainda mais macaco do que todos os macacos.

Mesmo o mais sábio de todos vós não passa de uma mistura híbrida de planta e de fantasma. Acaso vos disse eu que vos torneis planta ou fantasma?

Eu anuncio-vos o Super-homem!

O Super-homem é o sentido da terra. Diga a vossa vontade: seja o Super-homem, o sentido da terra.

Enxorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra terrestres.

São envenenadores, quer o saibam ou não.

São menosprezadores da vida, moribundos que estão por sua vez envenenados, seres de que a terra se encontra fatigada. vão-se por uma vez!

Noutros tempos, blasfemar contra Deus era a maior das blasfêmias; mas Deus morreu, e com ele morreram tais blasfêmias. Agora, o mais espantoso é blasfemar da terra, e ter em maior conta as entranhas do impenetrável do que o sentido da terra.

Noutros tempos a alma olhava o corpo com desdém, e então nada havia superior a esse desdém; queria a alma um corpo fraco, horrível, consumido de fome! Julgava deste modo libertar-se dele e da terra.

Ó! Essa mesma alma era uma alma fraca, horrível e consumida, e para ela era um deleite a crueldade!

Irmãos meus, dizei-me: que diz o vosso corpo da vossa alma? Não é a vossa alma, pobreza, imundície e conformidade lastimosa?

O homem é um rio turvo. É preciso ser um mar para, sem se toldar, receber um rio turvo.

Pois bem; eu vos anuncio o Super-homem; é ele esse mar; nele se pode abismar o vosso grande menosprezo.

Qual é a maior coisa que vos pode acontecer? Que chegue a hora do grande menosprezo, a hora em que vos enfastie a vossa própria felicidade, de igual forma que a vossa razão e a vossa virtude.

A hora em que digais: "Que importa a minha felicidade! é pobreza, imundície e conformidade lastimosa. A minha felicidade, porém, deveria justificar a minha própria existência!".

A hora em que digais: " Que importa minha razão! Anda atrás do saber como o leão atrás do alimento. A minha razão é pobreza, imundície e conformidade lastimosa!".

A hora em que digais: "Que importa a minha virtude? Ainda me não enervou. Como estou farto do meu bem e do meu mal. Tudo isso é pobreza, imundície e conformidade lastimosa!".

A hora em que digais: "Que importa a minha justiça?! Não vejo que eu seja fogo e carvão! O justo, porém, é fogo e carvão!".

A hora em digais: "Que importa a minha piedade?! Não é piedade a cruz onde se crava aquele que ama os homens? Pois a minha piedade é uma crucificação.".

Já falastes assim? Já gritastes assim? Ah! Não vos ter eu ouvido a falar assim!

Não são os vossos pecados, é a vossa parcimônia que clama ao céu! A vossa mesquinhez até no pecado, isso é que clama ao céu!

Onde está, pois, o raio que vos lamba com a sua língua? Onde está o delírio que é mister inocular-vos?

Vêde; eu anuncio-vos o Super-homem: É esse raio! É esse delírio!

Assim que Zaratustra disse isto, um da multidão exclamou: "Já ouvimos falar demasiado do que dança na corda; mostra-no-lo agora!"

E toda a gente se riu de Zaratustra.

Mas o dançarino da corda, julgando que tais palavras eram com ele, pôs-se a trabalhar.

(NIETZSCHE - ASSIM FALAVA ZARATUSTRA - Livro para toda gente e para ninguém - EDIÇÕES DE OURO, MCMLXX - DO ORIGINAL: "ALSO SPRACH ZARATHUSTRA"; p.23; 24 e 25).





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